No ano em que Kary Mullis era laureado com o Nobel de Química em 1993, Russell Higuchi mostrava que o era bom, podia ser ainda melhor e publicou a “versão melhorada” da PCR, a PCR em tempo real.
O que é a PCR em tempo real?
É o up-grade, a versão melhorada da PCR (reação em cadeia da polimerase).
Na PCR em tempo real, a amplificação do DNA é monitorada em tempo real, permitindo a quantificação do DNA alvo ao longo do processo. Isso revolucionou a maneira como se aborda a quantificação baseada em PCR de DNA e RNA. Na PCR em tempo real (qPCR), as reações são caracterizadas pelo ciclo em que a amplificação de uma molécula-alvo é detectada pela primeira vez, em vez da quantidade de alvo acumulada após um número fixo de ciclos.
A PCR, teoricamente, amplifica o DNA exponencialmente, dobrando o número de moléculas-alvo (template) a cada ciclo de amplificação. Quando foi desenvolvido pela primeira vez, os cientistas raciocinaram que o número de ciclos e a quantidade de produto final da PCR poderiam ser usados para calcular a quantidade inicial de material genético em comparação com um padrão conhecido.
Logo, quanto maior for o número de cópias iniciais do alvo de ácido nucleico, mais cedo será observado um aumento significativo na fluorescência. Em contraste, a PCR convencional, também chamada de um ensaio de ponto final (“end point”), mede a quantidade de produto de PCR acumulado no final do ciclo da PCR.
Essa modificação na reação, que inclui a presença de marcadores (fluoróforos) na molécula de DNA que permitem sua identificação e um termociclador (máquina) com uma luz de LED e uma câmera embutida que proporciona a captura do sinal luminosa e o transforma em sinal digital a ser pelo equipamento, possibilitou quantificar a região de interesse, por exemplo, estimar a carga viral em determinada amostra.
O nome “em tempo real”, remete ao fato da coleta do dado ser em tempo real, não a análise, que ocorre ao final da corrida e é feito por um software.
Esta também pode ser chamada de PCR quantitativa (qPCR), se o material for o DNA, caso a origem do material seja o RNA a nomenclatura será RT-qPCR. Logo, “RT” vem de transcriptase reversa (“reverse transcriptase – PCR”) e não de “real time” e indica que a amostra de RNA será sintetizada em uma molécula de DNA complementar (cDNA), antes da PCR.
RT-PCR então é uma PCR convencional em que o material alvo é o RNA. E RT-qPCR, é uma PCR em tempo real (qPCR) em que o material alvo é o RNA. Em ambos os casos, há a necessidade da síntese do cDNA. A RT-qPCR é muito utilizada na investigação da expressão gênica.
Diferente da PCR convencional, a qPCR não depende de nenhuma análise pós-amplificação, como a eletroforese, reduzindo a chance de contaminação do ambiente e de outras amostras, proporcionando agilidade na liberação do laudo, diminuindo subjetividade da interpretação, aumentando reprodutibilidade e confiança no resultado gerado. Além de ser extremamente versátil, permitindo que vários alvos sejam avaliados simultaneamente, é mais rápida, sensível e precisa.
Sua única desvantagem era o custo de equipamento e preço por amostra, o que vem reduzindo significativamente ao longo dos últimos anos, tornando-a mais acessível.
Componentes da PCR em tempo real e Ciclagem
Alguns reagentes são semelhantes ao da PCR convencional:
PCR convencional | PCR em tempo real |
água livre de nuclease | água livre de nuclease |
primer (iniciador) Forward | primer (iniciador) Forward |
primer (iniciador) Reverse | primer (iniciador) Reverse |
MgCl2 | sonda (=probe) para ensaios TaqMan |
Tampão (buffer) | Master Mix (vem com os tampões, enzimas e dNTPs) |
dNTPs | |
DNA Polimerase | |
Amostra de DNA ou cDNA | Amostra de DNA ou cDNA |
- DNA alvo ou molécula – alvo (template) – Sugere-se utilizar de 10 a 1.000 cópias da molécula-alvo (template) para cada PCR em tempo real. Isso é equivalente a aproximadamente 100 pg a 1 μg de DNA genômico (gDNA), ou cDNA gerado de 1 pg a 100 ng de RNA total.
Tudo que é demais, atrapalha, o excesso da molécula-alvo (template) também pode trazer níveis mais altos de contaminantes que podem reduzir bastante a eficiência da PCR. Dependendo da especificidade dos primers (iniciadores) de PCR para cDNA em vez de gDNA, pode ser importante tratar template de RNA, como DNaseI, para reduzir a chance de que contenham contaminação por gDNA.
- DNA polimerase – Diversos fatores alteram o desempenho da PCR. Por exemplo, a especificidade é afetada pela atividade residual da Taq polimerase em baixa temperatura. Os primers (iniciadores) podem anelar inespecificamente ao DNA durante a configuração da reação, permitindo que a polimerase sintetize um produto inespecífico. O uso de uma enzima de “hot-start”, garante que a DNA polimerase não esteja ativa durante a etapa inicial de desnaturação do DNA, reduzindo as chances de mau – pareamento (mispriming).
- Enzima transcriptase reversa – Para amostras provenientes de RNA, no ensaio de “one-step”, ou seja, aquele em que a etapa anterior da PCR é a da síntese do cDNA, mas ambas acontecem no mesmo ensaio, enquanto que no “two-steps”, primeiro fazemos a síntese e posteriormente, o cDNA desta será adicionado na PCR em tempo real.
- dNTPs – Ideal comprar os dNTPs e a DNA polimerase do mesmo fornecedor, pois não é incomum ver uma perda de sensibilidade de um ciclo para o outro (Cq) em experimentos que empregam esses reagentes de fornecedores diferentes.
Outra sugestão é adquirir Master Mix, uma solução pré-misturada e pronta para uso que contém Taq DNA polimerase, dNTPs, MgCl2 e tampões (buffers) de reação em concentrações ideais para a amplificação eficiente da molécula – alvo de DNA (template) por PCR. É, inclusive, mais fácil de otimizar o ensaio com essa solução. Há Master Mix específicos para cada ensaio de detecção: com corantes intercalantes de DNA (SYBRⓇ Green ou similares) e Sistema TaqManⓇ. O uso de um master mix reduz o número de etapas de pipetagem e, consequentemente, reduz as chances de contaminação entre poços e outros erros de pipetagem.
- Concentração de magnésio – Na PCR em tempo real, cloreto de magnésio ou sulfato de magnésio é normalmente usado em uma concentração final de 3 mM. Essa concentração funciona bem para a maioria dos alvos; no entanto, a concentração ideal de magnésio pode variar entre 3 e 6 mM, dependendo da reação de PCR em tempo real, corante intercalante ou Ensaio TaqMan.
O termociclador é específico e diferente do utilizado pela PCR convencional, uma vez que como dito anteriormente, necessita de uma lâmpada, filtros, uma câmera e um computador acoplado ao equipamento, para excitação do fluoróforo, leitura, captura do sinal fluorescente e transformação desse sinal luminoso em digital, pelo software no computador.
A ciclagem pode variar de 40 – 50 ciclos normalmente, mas pode ser menos, principalmente se a PCR em tempo real for uma etapa de alguma outra metodologia, como o sequenciamento de nova geração por exemplo.
Excelente técnica experimental
Não subestime a importância de uma boa técnica de laboratório. É melhor usar equipamentos e soluções dedicados para cada estágio do processo, desde a preparação da molécula – alvo (template) até a análise pós-PCR. O uso de tips de barreira de aerossol e tubos com tampa de rosca podem ajudar a diminuir os problemas de contaminação cruzada.
Para obter dados seguros e reprodutíveis, o uso de replicatas técnicas é essencial, sugere-se que idealmente as amostras e a curva padrão sejam analisadas em triplicatas.
Como é feita a quantificação por PCR em tempo real?
Na PCR em tempo real, a quantidade de DNA é medida após cada ciclo por meio de corantes fluorescentes que produzem um sinal fluorescente crescente em proporção direta ao número de moléculas de produto de PCR geradas.
Este produto é denominado amplicon. Os dados coletados durante a fase exponencial da reação fornecem informações quantitativas sobre a quantidade inicial do alvo de amplificação. Os repórteres fluorescentes usados na PCR em tempo real incluem DNA de fita dupla (dsDNA) – corantes de ligação ou moléculas de corante anexadas a primers de PCR ou sondas que hibridizam com produtos de PCR durante a amplificação.
A mudança na fluorescência ao longo da reação é medida por um equipamento que combina ciclos térmicos com varredura (scanning) de corante fluorescente. Ao traçar a fluorescência em relação ao número do ciclo, o instrumento de PCR em tempo real gera um gráfico de amplificação que representa o acúmulo de produto ao longo de toda a execução de PCR.
Fluorescência relativa vs. número de ciclo
Os gráficos de amplificação (amplification plot) são criados quando o sinal fluorescente de cada amostra é plotado contra o número do ciclo; portanto, os gráficos de amplificação representam o acúmulo de produto durante o experimento de PCR em tempo real.
As vantagens do PCR em tempo real incluem:
- capacidade de monitorar o progresso de ciclos individuais de amplificação à medida que ocorrem em tempo real
- capacidade de medir com precisão a quantidade de amplicon em cada ciclo, quando comparado a um padrão de diluição conhecido, o que permite a quantificação altamente precisa da quantidade de material de partida nas amostras
- um aumento da faixa dinâmica de detecção
- a amplificação e a detecção ocorrem em um único tubo, eliminando as manipulações pós-PCR
Químicas utilizadas para a detecção | quantificação da molécula-alvo por PCR em tempo real
Existem muitas químicas, mas as mais amplamente utilizadas são os ensaios de nuclease 5ʹ, como os ensaios TaqManⓇ baseados em sonda e os ensaios baseados em corante SYBRⓇ Green.
Ensaio de nuclease 5´ (sistema TaqMan)
Um dos elementos principais desse ensaio é um fenômeno chamado transferência de energia de ressonância de fluorescência (do inglês, fluorescence resonance energy transfer, FRET). No FRET as emissões de um corante fluorescente (reporter) podem ser reduzidas pela presença de outro corante, chamado de supressor (quencher), localizado na extremidade 3 ‘, enquanto o repórter está na extremidade 5’ da Sonda Taqman.
Neste tipo de sistema de detecção, dois primers (forwrad e reverse) de flanqueamento são necessários; além disso, uma sonda* oligonucleotídicas também é necessária (sistema Taqman). A sonda deve estar localizada internamente ao primer (iniciador) e deve se analear antes do mesmo, ou seja, a temperatura de anelamento da sonda deve ser maior do que a do primer, para que isso seja garantido.
*oligonucleotídeos de DNA complementar a uma das fitas, marcados com fluorescência, são desenhadas para se ligar a jusante (downstream) de um dos primers (iniciadores) durante a reação de PCR e liberar um sinal fluorescente durante a reação. A extremidade 5 ‘da sonda é marcada com uma molécula repórter fluorescente.
Antes do início do PCR, a sonda TaqMan está intacta e possui um certo grau de flexibilidade. Enquanto a sonda está intacta, o repórter e o inibidor (quencher) têm uma afinidade natural um com o outro, permitindo que FRET ocorra. O sinal repórter é extinto antes da PCR. Sonda intacta, sem emissão de sinal.
Durante a PCR, os primers (iniciadores) e a sonda se ligam a molécula – alvo. Lembrando que na PCR em tempo, ocorre as mesmas etapas da PCR convencional: (i) desnaturação da dupla fita de DNA a altas temperatura s(~95oC); (ii) anelamento – ligação da sonda (ausente na PCR convencional) e dos primers (iniciadores, forward e reverse) – temperatura varia de 55 a 66oC e por fim (iii) extensão – síntese da nova fita.
Durante a etapa de extensão, haverá a síntese da nova fita pela DNA polimerase. Se a sonda estiver ligada à sequência alvo correta, a atividade de 5 ‘nuclease da polimerase cliva a sonda, liberando um fragmento contendo o corante repórter. Uma vez que a molécula reporter estará fisicamente separada do quencher, a fluorescência será liberada.
FRET pode ser ilustrado por dois corantes fluorescentes: azul e vermelho, conforme figura abaixo. O corante fluorescente azul tem uma energia de emissão mais alta em comparação com o vermelho, porque a luz azul tem um comprimento de onda mais curto do que o vermelho. Se o corante vermelho estiver muito próximo do corante azul, a excitação do corante azul fará com que sua energia emitida seja transferida para o corante vermelho. Em outras palavras, a energia está sendo transferida de um nível superior para um inferior. Consequentemente, o sinal do corante azul será suprimido ou “apagado”.
Figura: Exemplo do fenômeno transferência de energia de ressonância de fluorescência ( FRET). Ocorre quando um corante fluorescente de maior emissão de luz (azul) está próximo a um corante de baixa emissão de luz fluorescente (vermelho) (à esquerda).
Tipos de sonda TaqMan
As sondas TaqMan podem ser divididas em dois tipos: MGB e não MGB. As primeiras sondas TaqMan são classificadas como não MGB e usam o corante TAMRA como inibidor. No início do desenvolvimento da PCR em tempo real, testes extensivos revelaram que as sondas TaqMan exigiam uma temperatura de anelamento significativamente mais alta do que a dos primers de PCR para permitir a clivagem. As sondas TaqMan eram, portanto, mais longas do que os primers. Uma incompatibilidade de 1 base nessas sondas longas teve um efeito relativamente suave na ligação da sonda, permitindo que a clivagem ocorra. No entanto, para muitas aplicações envolvendo alta complexidade genética, como expressão de genes eucarióticos e polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs), um grau mais alto de especificidade era desejável.
As sondas TaqMan MGB foram um refinamento posterior da tecnologia de sondas TaqMan. As sondas TaqMan MGB possuem uma molécula de ligação de sulco menor (MGB) na extremidade 3 ‘. Onde a sonda se liga ao alvo, um pequeno sulco menor é formado no DNA, permitindo que a molécula de MGB se ligue e aumente a temperatura de fusão, fortalecendo assim a ligação da sonda. Consequentemente, as sondas TaqMan MGB podem ser muito mais curtas do que os primers de PCR ou suas contrapartes de sondas não MGB. Com o tamanho de sonda mais curto, uma incompatibilidade de 1 base tem um impacto muito maior na ligação da sonda TaqMan MGB. Devido a este nível mais alto de especificidade, as sondas TaqMan MGB são recomendadas para a maioria das aplicações que envolvem alta complexidade genética.
Produção de sinal de sonda TaqMan
Se uma sonda MGB ou não MGB for escolhida, ambas seguem o mesmo padrão para a produção de sinal. Nos primeiros ciclos de PCR, apenas o sinal repórter baixo e extinto é detectado. Este sinal inicial é automaticamente subtraído a zero no software de PCR em tempo real, que é como a linha de base é determinada. Se a amostra contiver um alvo, eventualmente o suficiente da sonda clivada se acumulará para permitir que o sinal de amplificação emerja da linha de base. O ponto em que o sinal de amplificação se torna visível está inversamente relacionado à quantidade alvo inicial.
SYBR Green tye
O corante SYBR Green I é um corante fluorescente de ligação ao DNA que se liga ao sulco menor de qualquer dsDNA. A excitação do corante verde SYBR ligado ao DNA produz um sinal fluorescente muito mais forte do que o corante não ligado. Um ensaio baseado em corante SYBR Green normalmente consiste em dois primers de PCR. Em condições ideais, um ensaio SYBR Green segue um padrão de amplificação semelhante ao de um ensaio baseado em sonda TaqMan. Nos primeiros ciclos de PCR, uma linha de base horizontal é observada. Se o alvo estiver presente na amostra, o produto PCR se acumula e produz um sinal fluorescente.
Especificidade do ensaio SYBR Green
O teste de especificidade do ensaio é importante para todos os ensaios, mas especialmente para aqueles mais vulneráveis a problemas de especificidade. Os ensaios SYBR Green não se beneficiam da especificidade de uma sonda TaqMan, tornando-os mais vulneráveis a problemas de especificidade. O corante SYBR Green se ligará a qualquer produto amplificado, alvo ou não-alvo, e todos esses sinais são somados, produzindo um único gráfico de amplificação. A forma do gráfico de amplificação SYBR Green não pode ser usada para avaliar a especificidade. Os gráficos geralmente têm a mesma aparência, independentemente de a amplificação consistir em alvo, não alvo ou uma mistura. O fato de que um ensaio SYBR Green produziu um produto de amplificação não deve ser considerado automaticamente como significando que a maioria do sinal é derivado do alvo.
Uma vez que a amplificação do não-alvo pode variar de amostra para amostra, pelo menos um tipo de avaliação de especificidade deve ser realizada para cada reação SYBR Green. Mais comumente, essa avaliação contínua é uma análise de dissociação.
Como é feita a análise da PCR em tempo real?
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REFERÊNCIAS:
Higuchi, R., Fockler, C., Dollinger, G. et al. Kinetic PCR Analysis: Real-time Monitoring of DNA Amplification Reactions. Nat Biotechnol 11, 1026–1030 (1993). https://doi.org/10.1038/nbt0993-1026